O elo invisível entre obesidade e câncer

Artigo do dr. Daniel Freitas*, originalmente publicado em GZH e Zero Hora em 2 de outubro

A obesidade deixou de ser apenas uma questão estética. Nas últimas décadas, consolidou-se como um dos principais fatores de risco para doenças crônicas graves – entre elas, o câncer. A ciência tem sido clara ao apontar que o excesso de gordura corporal está relacionado a pelo menos 13 tipos de tumores malignos. Ainda assim, esse elo continua subestimado tanto pela população quanto por parte dos profissionais de saúde.

Dados recentes apontam que cerca de 20% dos adultos brasileiros vivem com obesidade, e mais da metade da população apresenta sobrepeso. As projeções para os próximos anos são ainda mais preocupantes: até 2030, quase 70% da população brasileira poderá estar acima do peso ideal, segundo a World Obesity Federation.

O impacto dessa tendência sobre a saúde pública é direto. Estimativas indicam que, em 2025, mais de 29 mil novos casos de câncer no Brasil serão atribuíveis ao excesso de peso. 

A relação entre obesidade e câncer envolve alterações hormonais, inflamação crônica e disfunções metabólicas que favorecem o crescimento e a disseminação de células tumorais. Além da maior incidência, estudos mostram que os tumores relacionados à obesidade tendem a ser mais agressivos e diagnosticados em estágios avançados. Isso compromete a eficácia do tratamento e eleva as taxas de mortalidade.

O retrato do câncer de próstata

No Brasil, o câncer de próstata é o mais frequente entre os homens e uma das principais causas de morte por câncer na população masculina. Para o triênio 2023–2025, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que 30% dos tumores diagnosticados em homens serão de próstata. Só no Rio Grande do Sul, são esperados mais de 3.500 novos casos por ano, com cerca de 1.200 mortes anuais.

Estudos brasileiros apontam que mais da metade dos homens com câncer de próstata apresentam sobrepeso ou obesidade. A obesidade abdominal – aquela concentrada na região da cintura – é especialmente prevalente e preocupante nesse grupo. Além de estar associada a maior risco cardiovascular, esse padrão de acúmulo de gordura parece ter efeito direto sobre a biologia do câncer prostático.

Diversas pesquisas também relacionam a obesidade aos riscos de subestimar a gravidade real do tumor na biópsia, de levar a um diagnóstico mais tardio e a uma menor resposta aos tratamentos hormonais, bem como a um pior prognóstico geral. Pacientes obesos ainda enfrentam maiores taxas de complicações em cirurgias e podem ter mais dificuldades na recuperação pós-operatória.

Desigualdade de risco e acesso

A epidemia de obesidade no Brasil atinge com mais força pessoas negras, indivíduos com menor escolaridade e moradores de áreas rurais. Esses mesmos grupos também enfrentam maior dificuldade de acesso a exames preventivos e a cuidados especializados, o que agrava ainda mais o risco de câncer não diagnosticado ou tratado tardiamente.

No Rio Grande do Sul, levantamento da Secretaria Estadual da Saúde apontou que mais de 33% dos adultos atendidos na atenção primária apresentam sobrepeso. No mesmo Estado, a maioria dos casos de câncer de próstata ocorre entre homens de 60 a 69 anos, faixa etária que também concentra a maior prevalência de obesidade abdominal masculina.

Prevenção e responsabilidade coletiva

A mudança de hábitos é um desafio real, especialmente diante das pressões da vida moderna e da desigualdade no acesso a alimentos saudáveis e ambientes favoráveis à atividade física. Ainda assim, as evidências indicam que perder de 5% a 10% do peso corporal já reduz de forma significativa o risco de desenvolver câncer – além de melhorar o controle de pressão arterial, diabetes e colesterol.

A prevenção do câncer deve incorporar o controle do peso como um dos pilares centrais. Isso envolve políticas públicas que promovam ambientes saudáveis, mas também um compromisso individual e familiar com a saúde. O enfrentamento da obesidade exige uma abordagem integrada, com suporte médico, psicológico, nutricional e social. Incorporar esse entendimento ao cuidado diário pode representar uma inflexão importante nas curvas de incidência e mortalidade por câncer no Brasil. 

Sobre o dr. Daniel Freitas

Daniel Freitas é urologista e um dos fundadores da Andrologia Moinhos, em Porto Alegre (RS). Atua também como professor da Escola Superior de Urologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e como preceptor da residência médica em Urologia na Santa Casa de Porto Alegre.

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